Certa vez entrei num quarto e logo de cara me deparei com um paciente com um ar assustado. Ele estava ansioso, inquieto, desconfiado. não me surpreendeu que estivesse com a pressão alta…
Conversando com ele um pouco, até chegar ao que o preocupava, falou: “Aquele moço veio aqui e disse que ia afinar, afilar… uma coisa assim… (“Aferir?” perguntei) … isso, aferir minha glicemia, um negócio assim… e aí ele não voltou mais… (“Mas… e aí, o que você entendeu dessa tal de glicemia?” perguntei) Ah, eu entendi foi é nada, só sei que ele veio aqui, furou meu dedo e foi pra lá e não voltou mais…”
Ficou óbvio que o paciente não sabia nem o que era aferir e muito menos o que era glicemia. Ele havia acabado de ser internado para uma cirurgia renal e estava ansioso por não entender nada daquilo que haviam falado para ele, muito menos a razão do procedimento pelo qual havia passado. Até então, lá com seus quarenta e pouco, tinha apenas uma pedra no rim, que nem doía…
Não só no hospital, mas em outros lugares há um mau uso e uma má alocação de recursos linguísticos que não ajudam nada (tais como aquelas expressões”no sentido de” e a “à nível de”, dentre outras). Ainda que nossa língua esteja repleta de recursos, seja na variedade de sinônimos ou estilística, utilizá-los requer contextos e propósitos adequados. Numa instituição pública como um hospital geral, é bastante comum a presença de um público bastante simples, então falar complicado pode facilmente ser sinônimo de não comunicar nada.
É importante se questionar, refletir se de fato seu paciente entendeu o que foi dito para ele, se ao menos a linguagem foi clara. A formação de alguns quadros de ansiedade pode estar vinculada a não compreensão da informação passada e quando isso pode ser percebido logo no início, é mais fácil de tratar.
Em tempo, convém ressaltar que a dificuldade de assimilar informações ainda pode estar vinculada a algum tipo de resistência (aquela conceituada pela psicanálise, que diz respeito ao não poder lidar com determinada situação por uma limitação psíquica naquele momento). Quanto a essa dificuldade, falarei sobre ela em um futuro artigo.
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Ah.. quanto ao meu paciente, acabou entendendo que aquele tal exame servia para medir o nível de “açúcar” em seu sangue e nada mais que isso. Inclusive, o valor obtido e anotado em seu prontuário estava dentro da normalidade. “Ah, então era só isso?!?” No fim das contas passou a rir do ocorrido no restante da tarde (inclusive sozinho). Ficou mais calmo e sua pressão normalizou. Quanto a tal “glicemia”… continuou tão boa quanto antes, afinal, nem diabético ele era.
😀