Certa vez estive com um paciente que em dado momento da sessão passou a se preocupar com um homem trabalhando num andaime lá fora, em um prédio bem distante. Era um dia claro, tranquilo e, à princípio, aquilo não tinha nada a ver com o conteúdo que estava em pauta naquele dia. Seria o caso de ter cortinas na sala? O de fechá-las e talvez pôr o divã virado para a parede?
Pois bem, a mobília do consultório fica a encargo do dono do consultório. Algumas pessoas pensam em manter tudo como está para sempre, bem como em deixar o divã virado para a parede para não ter “estímulo”.
Mas… vamos pensar um pouco aqui…
O paciente não é colocado dentro de uma bolha para ser atendido. Também não irá andar dentro de uma bolha quando sair do consultório. Não há como você evitar que alguém que sobreviveu a um acidente de carro, tenha a grandessíssima infelicidade de testemunhar um acidente similar ao que matou toda sua família, ou mesmo uma colisão fatal entre caminhão e ônibus, tal como a queda de uma aeronave. Ou seja, não há como impedir o contato do paciente com o mundo fora do consultório!
Tentar limitar a sala à mesmice pode simplificar o atendimento para um aluno ou para um recém-formado, mas ainda assim é artificial, tal como virar divã para parede ou fechar todas as cortinas para atender.
A verdade é que observando como é a disposição de objetos no consultório, será possível ter uma ideia de como é o analista ou terapeuta, inclusive podendo encarar esse aspecto como “sintoma”. Obviamente, cabe considerar que hoje em dia nem todos têm privilégio de atender em casa como Freud ou Lacan, estando sujeitos à normas locais e configuração de mobília de acordo com o locatário ou até mesmo acordadas com outros profissionais que compartilham a sala.
Assim, se ao mudar os móveis de lugar, o paciente se incomodar… ÓTIMO! Há material analítico para conversar! Considerando como “ótima” a manifestação do paciente em relação a algo e considerando que o terapeuta saiba bem por qual razão mudou isso ou aquilo em dado momento.
Mas…
… Ok… Há casos em que há movimentação de pessoas em corredores ou prédios adjacentes cuja observação pode acabar criando desconforto quanto ao sigilo, dentre outras questões mais técnicas. Nesses casos, medidas para limitar a exposição do paciente e preservar o sigilo são pertinentes sim.
Quando ocorre algo como expus no início do artigo, como um paciente detendo-se no que há ali fora parecendo não se deter em suas questões, é importante que o terapeuta ou analista se questione primeiramente por qual razão isso ocorre. E aí estará investigando que resistência é essa atravessando o trabalho, inclusive questionando se é mesmo resistência.
Meu paciente mostrava preocupação com o trabalhador num andaime, perguntando-se se aquele homem corria ou não perigo. No entanto, no decorrer do trabalho analítico, foi possível perceber que ao fundo dessa cena estava uma grande preocupação com uma parente próxima muito doente e também, com a finitude da vida. Era algo que até então não havia transparecido verbalmente. Ou seja, o inesperado trouxe à tona uma via para a discussão de material importantíssimo.
Em suma, tentar por o paciente numa bolha também pode fazer demorar mais tempo para demandas aparecerem. Se o paciente achou aquela estatueta feia e isso incomodou o terapeuta… ué…? Cabe ao terapeuta não apenas conversar com esse paciente, mas também, levar esse incômodo para sua própria terapia, antes que ele se torne uma força “contra a transferência”.
Além disso, não é papel de um analista que se preze analista, mudar coisas pelo prazer de ver o que “acontece”. Isso é parecido com a ideia da bolha e dependendo da situação, ainda pior, já que pode reduzir o paciente ao lugar de cobaia.
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