Quando Rosinha chegou ao consultório pela primeira vez, não sabia o que era uma psicoterapia. Entrou ali achando que era só falar dos seus problemas que Ângela, a psicóloga, lhe daria alguma solução para tudo aquilo.
Mas não foi exatamente o que aconteceu…
No primeiro atendimento, Ângela falou para Rosinha que ela tinha que se esforçar mais e também, falar mais alto dos seus problemas, pois ela não estava ouvindo direito o que ela falava.
Sem graça, Rosinha remoeu-se timidamente na cadeira que não tinha braços, enquanto aquela mulher na sua frente cheia de maquiagem, jóias e imponente em sua poltrona, lhe dizia o que fazer e como se portar. Constrangida, tentou falar mais alto, apesar do assunto a incomodar muito.
– Que tanto você fica olhando pro meu pé? É o meu sapato?
Não era o sapato, mas Rosinha, mulher simples que dada a falar de muitas coisas não era, ficou calada. Só olhava para aquele giro hipnótico do salto alto da “doutora” enquanto ia falando e, nem percebera o que fazia.
Na verdade, nem Ângela percebera Rosinha…
Ângela achava que Rosinha tinha que se esforçar mais e que tinha que parar de reparar na vida alheia, pois suas dificuldades poderiam ser superadas com mais empenho.
Rosinha achou aquilo muito certo, muito embora não soubesse bem como fazê-lo. Talvez não devesse reparar nas coisas dos outros, devia ser alguma coisa do tipo. Ou a moça tivesse achado que ela estivesse olhando para o sapato dela…
– Se ela achou… acho que ela tá certa… estudou pra isso, né?
…
Na semana seguinte, quando chegou ao consultório mais cedo que o habitual, Rosinha encontrou um moço. Pensando na própria vida, distraído com seus próprios pensamentos, eis Ulisses (que, simples e turrão que era, sequer se deu conta de que poderia se apresentar à moça bonita):
– Dona… você fala palavrão quando você fica brava?…
Rosinha não entendeu muito. Achou até simpático o moço chamá-la de “dona” mas, por outro lado… diziam que psicologia era coisa de “doido” então era melhor não arriscar… Ulisses tinha uma barba imponente, chegando mesmo a ser “bem aparentado”…
– … – Rosinha abriu a boca mas não falou nada em um primeiro momento. Na dúvida e, por medo mesmo, resolveu responder pra não deixar o moço bravo – Acho que é normal… eu acho que falo uns… quando estou sozinha, sabe?
Ulisses esboçou falar alguma coisa mas, ficou quieto. Só abriu e fechou a boca sem palavras e acenou devagar com a cabeça. Também era uma das primeiras vezes que vinha.
– Acho que é a terceira. – ele revelou.
Um conhecido tinha lhe recomendado falar tudo pra “doutora” para o trabalho funcionar, então, resolveu levar ao pé da letra: despejou tudo que vinha na cabeça tal como punha a máquina de concreto para despejar nas lajes, pisos e etc. Sem dó.
– Aqui não é lugar pra você ficar usando esse tipo de linguagem! Mais respeito!!
Ulisses ficou pálido diante da “doutora”. Ficou sem saber o que fazer, tanto que nem perguntou o que tinha feito de errado e aí mudou de assunto. Era algo importante mas… … …da semana passada para essa… por mais que tentasse… … não… já não se recordava o que era. Só conseguia se lembrar o quanto tinha se sentido constrangido em ser repreendido. Não sabia usar palavras bonitas, passava a maior parte do tempo em obras e não tinha tempo pra ler ou se inteirar de outras coisas com seus camaradas mais “sabidos”.
A essa altura, Ulisses, que achava que falava palavrões por conta dos amigos, não conseguia perceber o quanto o assunto que “esquecera” da semana passada para essa, o incomodava.
Hoje, Ulisses não tentaria retomar a conversa, pois o papo silenciado por Ângela agora estava “enterrado” lá no seu inconsciente através de um tal de “recalque“.
Ao ir embora, Ulisses cruzou com Ângela, mas não a psicóloga. Era uma paciente nova que, diga-se de passagem, saiu do consultório 50 minutos depois, estarrecida.
Essa Ângela não era psicóloga nem nada, mas nunca tinha ouvido alguém fazer tantos lamentos de uma vez só. Sentiu até dor de cabeça… Começou a desconfiar que seus problemas eram menores, pois sua xará tomara a liberdade de falar dos dela própria: era a paciente que tinha chegado muito antes do combinado, as prestações da casa atrasadas, um filho rebelde na adolescência, carro na oficina e uma briga hoje com o Uber…
Ao chegar em casa, atordoada, respirou um pouco enquanto soltava os cabelos na frente do espelho. Não voltaria à Ângela novamente. Tinha falado de seus problemas por uns 15 minutos enquanto a sua xará falou dos dela por uns 30…
– Imagine… – desabafou, frustrada – uma coisa dessas não pode estar certa…
Sim. Ao menos essa Ângela estava certa.