Você está andando na rua tranquilamente quando se depara com aquela pessoa. Ela conhece sua vida mais que ninguém mas, dela você pouco ou nada sabe. Se seguir adiante, o que fazer? Cumprimentar? Fingir que não conhece? Bater um papo?
O analista tem e precisa ser analista para seus pacientes. Noutro “lugar” (lugar simbólico), corre-se o risco de “fazer mal” à análise.
Esse é um aspecto técnico fundamental e um bocado complexo. Mas, tentando resumir a coisa toda, vamos dizer que o paciente inconscientemente coloca o profissional em um lugar importante, transferindo a ele um papel simbólico equivalente à, por exemplo:
- cônjuge;
- um dos pais;
- amigo;
- ou algum outro, o que vai variar de caso para caso.
Não se trata dese relacionar com o analista tal como a pessoa faz com essa outra da “transferência” e sim, de acordo com o que essa outra pessoa “simboliza” para ela, o que é uma espécie de “idealização”, uma “fantasia”.
Pois bem.
Para que aconteça essa “transferência” de um papel para o analista, é preciso que haja um “espaço” entre ele e o paciente. É nesse “vácuo” que se desenvolve o papel em questão.
Vamos dizer que é como se o paciente preenchesse com as próprias fantasias, o vazio de não conhecer e de não estar próximo do analista como é ou foi de outras pessoas.
Caso o analista se estenda muito fora do lugar onde foi posto, virando “amigo”, por exemplo, vai correr o risco de por o trabalho terapêutico por água abaixo, já que poderá não estar permitindo que o paciente leve a ele fantasias (incluindo expectativas) inconscientes.
É complicado, não?
Sim. É complicado sim.
Então, caso você se depare com o seu analista e ele não haja propriamente como você espera, considere dois pontos, pelo menos:
- há questões suas que são mobilizadas, seja ele te cumprimentando de uma forma ou de outra. Isso é material para vocês trabalharem em análise, então, assunto para o próximo encontro.
- seu analista precisa preservar a relação terapêutica estabelecida (ela é chamada de transferência, mas se eu falar assim aqui, pode ficar mais complicado), já que por vias inconscientes é natural que alguns pacientes tentem desvirtuá-la, o que não é mal algum mas, que precisa ser visto com cuidado.
Ah, e ainda há um aspecto crucial desses possíveis encontros. O sigilo.
Há toda uma questão ético-profissional especificada no Código de Ética do Psicólogo, relacionada ao quão é importante proteger a privacidade das pessoas. O que se fala em um consultório não é fofoca, não é bate-papo, é o assunto de uma vida inteira (ainda que possa falar da vida alheia, o paciente está mostrando como é sua perspectiva de mundo, então, é uma forma dele mostrar a si próprio). Portanto, é particular e devendo ser tratado como tal. Qualquer desvio em relação ao sigilo é falta grave e digna de ser combatida.
Não tema seu analista quando encontrar com ele na rua: haja normalmente. Fora do consultório ele também é uma pessoa, mas, ao vê-lo, esteja certo que o silêncio ou as poucas palavras que trocar, serão para preservar a relação que você estabeleceu com ele.
Até!!