Você ou alguma outra pessoa está ali no hospital quando se depara com aquele paciente atravessado na cama, pedindo a sua ajuda pra levantar. Ao se aproximar, percebe que ele arrancou o soro, se lambuzou de sangue, desfez o curativo e embolou lençóis e fralda. Seu plantão parecia normal, até aquele instante em que você viu algo estranho pela porta, uma campainha tocou ou quando você entrou para fazer uma visita. Isso acontece quase toda semana no hospital, não é?…

À princípio, é natural questionar o paciente supostamente confuso sobre o que ele está fazendo. Há um cabedal de respostas absurdas que você pode receber como respostas, como ele lhe dizer que tem 18 quando tem 80, ou falar para você uma data de 80 anos atrás!!
Esse questionamento pode ser aproveitado para avaliar o estado do paciente, inclusive para realmente avaliar se há mesmo uma confusão. Algumas pessoas acordam de sobressalto e podem fazer coisas absurdas como sair correndo pelo corredor à partir de um sonho e não por conta de um quadro confusional, como por exemplo, uma paciente em pré-operatório tentando ir salvar o filho por ter sonhado que estava para acontecer algo com ele.
Um quadro confusional é uma coisa bastante séria, pois pode estar associada a questões psíquicas, neurológicas ou metabólicas e as consequências podem ser acidentes dos mais diversos tipos, sejam eles quedas, contaminação de cirurgias, interrupção ou remoção indevida de acessos endovenosos. Em alguns casos, nem há um quadro de confusão e sim, uma dificuldade de comunicação entre emissor e receptor, seja por surdez, seja por uma sequela de um AVE (vulgo derrame ou AVC).
Avaliar a extensão do problema do paciente pode ser simples, desde que você se disponha a fazê-lo. É coisa de perguntar nome completo, idade, local. Num exame mais aprofundado, questionar também o que ele faz ali. Há um cabedal de respostas absurdas possíveis e inimagináveis mas sempre me deparo com alguma novidade.
Ao fazer um exame básico do estado mental do sujeito é importante levar ambos à sério, tanto as perguntas, quanto as respostas.
Isso inclui colher informações diretamente, ou seja, é importante que o sujeito lhe responda as perguntas e não uma outra pessoa. Levar à sério esse trabalho inclui evitar rir de absurdos como esse:
Entrevistador – Qual seu nome?
Paciente – Ulisses*
Entrevistador – Do quê?
Paciente – Não sei…
Entrevistador – Qual sua idade?
Paciente – 18
(ele tem mais de 80)
Entrevistador – E que dia é hoje mesmo?
Paciente – Não sei muito bem…
Entrevistador – Diga o dia que acha que é, ou o ano.
Paciente – Hãm… 19 de abril de 1983. Acho que é isso.
Entrevistador – Ok. E você mora com quem?
Paciente – Moro com minha mãe.
Falo evitar rir, pois muitas vezes o que o paciente lhe responder será a verdade que ele possui naquele momento. Quando você ouve sem fazer críticas, há uma possibilidade melhor de criar um vínculo de confiança.
Ao estabelecer tal ligação com o sujeito, pode ser possível desfazer erros de julgamento e assim, conseguir uma maior cooperação. Como por exemplo:
Entrevistador – O que o senhor está fazendo aqui?
Paciente – Não sei…
Entrevistador – E esse curativo aí no seu pé?
Paciente – Ah, acho que estou lembrando, apareceu um negócio ali, tenho que operar. Tenho que ir lá no hospital.
Entrevistador – Então, mas tem um curativo ali… será que o senhor não já operou não?
Paciente – Poxa… É mesmo!… Você tem razão, agora estou me lembrando, estou no hospital… puxa, mas eu já operei então?… Eu nem vi nada… quando foi isso?
Isso funciona sempre?
Não, mas poderá lhe ajudar de várias formas em situações diferentes. Conversar com as pessoas e se permitir ouvi-las não é tarefa fácil, muito menos quando essas pessoas estão sofrendo mentalmente de alguma forma. Caso tenha dificuldade, não hesite, leve sua dúvida para alguém ou discuta o caso.
Inclusive, costumo sugerir que evite adicionar elementos novos à quadros delirantes, como também passar a falar de coisas fora do contexto real, pois eles provavelmente aumentarão a demanda para você e para quem estiver em volta.
Noutras palavras, aquilo que você disser, seja através da estratégia que escolher, poderá voltar a você.
Procure ser franco em sua atuação. Falar com o paciente nem sempre é suficiente e em alguns casos o efeito pode ser apenas temporário (como quando há alterações de memória recente ou no ciclo de sono). Quando a situação é assim, é importante considerar o custo-benefício entre mantê-lo com ou sem algum tipo de contenção.
No caso da contenção, é preciso considerar vários fatores, como o nível de agitação, se o paciente corre risco de se ferir ou aos outros, as medicações de que já faz uso ou deixou de fazer, se é pré ou pós-operatório. Seja a escolha por contenção química ou física, é sempre importante explicar o que está fazendo, qual a razão e mostrar firmeza à respeito, pois essas também são medidas de socorro em saúde mental, dentre as quais é preciso ainda cuidado para não transformá-las em atos de violência ou algo que se confunda com isso.
E ainda que possa ser abstrato e obscuro, ser franco com o paciente nessas horas críticas pode ajudar e até firmar um vínculo de confiança dele com você mais para frente.
(artigo expandido e republicado em 25 de outubro de 2018)
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